24/07/10

Kick-Ass - Como torcer as expectativas de uma audiência.

A pergunta que faço é: Como é que reagiram o que assumo serem uns quantos milhares de pais, quando se aperceberam que Kick-Ass tinha sangue e furos de um lado ao outro num inúmero de corpos, a tiro ou com instrumentos cortantes? Não me interpretem mal, não é um filme particularmente violento, mas olhando para o trailer, eu certamente não contava com algo tão gráfico.


Da maneira menos estragadora possível (sim, acabei de traduzir o termo "spoiler", e então?) digo que Kick-Ass é algo mais recheado que aquilo que o trailer impõe.
A premissa todos percebem à partida: um bando de comic-book-geeks conta com um adolescente falhado peculiar que se tenta transformar num herói, e apesar de não se suceder muito bem nisso encontra mais uns quantos que estão na mesma demanda, por melhores caminhos, e podem vir a ajuda-lo. No entanto o enredo efectivo, o que se desenrola à custa dessa pequena ideia e a respectiva execução são um conjunto que se transpõe como uma curva acentuada, desde a direcção satiricamente humorista a uma história de heroísmo e vingança carregados de emoção, brindada com pelo menos três sequências que ficam gravadas na retina (e no ouvido, mas já la vou).


O feito memorável é a efectividade em criar a maior suspensão de descrédito que já vi, e o torcer do tom da narrativa de um oposto ao outro - de comédia a drama - feito de forma a que a primeira parte entretenha, a segunda esteja apoiada só o suficiente para se tornar envolvente, e a terceira volte a lembrar do disparate em que tudo se apoia enquanto pergunta: "E então? Vais dizer que não estás a gostar?". É uma viagem que tem um bocadinho de tudo para todos, especialmente os geeks, esse niche que sai de Kick-Ass com uma barrigada de private-jokes e menções à cultura pop, entregues como eu não via desde Knocked Up (e Gamer também, mas esse é um caso à parte).
No fundo Kick-Ass é uma obra sorrateira entregue com nível, quer conceptualmente quer tecnicamente, que não acredito que vá impressionar tanto um grupo muito grande, mas não duvido que independentemente do nível de seriedade com que se encara o filme, tem material para entreter seja quem for. (O meu pai esteve interessado e entusiasmado. Isso é obra)

Agora, sobre a banda sonora, não me percam enquanto tento enquadrar:
Dá para detectar Pendulum, Prodigy e outros nomes sonantes no decorrer de Kick-Ass, mas o caso que me intriga é o de John Murphy. Este nome já vem desde Lock, Stock and Two Smoking Barrels como compositor, mas só fez o seu real brilharete em 28 Days Later, o filme brindado com a "East Hastings" de Godspeed You! Black Emperor, música tão icónica que, reza a lenda, Murphy viu-se a tentar simular o feeling para o resto da banda sonora num esforço que lhe valeu a composição de "In The House - In A Heartbeat". Mais tarde surge Sunshine pelo mesmo realizador de 28 Days Later onde John Murphy volta a ser responsável por um tema de destaque, "Surface of The Sun", parte da banda sonora que se viu envolta numa complicação legal, sem lançamento oficial para deleite dos fãs da música em questão.
A ligação: Quer "In The House - In A Heartbeat", quer "Surface of The Sun" tem direito a acompanhar duas sequências relevantes em Kick-Ass. Funcionam? pois claro, mas é estranho como dois temas tão ligados a outros títulos acabam a fazer cameos, como se de musica de artista popular - "nome sonante" - se tratasse, sendo que a segunda até serve de influência para o resto da banda sonora original de Kick-Ass.
Motivos à parte, "Surface of The Sun" é dos meus temas favoritos no que toca a filmes, e por causa das já referidas complicações legais só posso ter vindo a ouvi-la em recortes directos de Sunshine. Esta estranha aparição veio agora permitir uma versão limpa:


Em conclusão, relembro que Kick-Ass, ironicamente, não é o que parece e guarda uma mão cheia de eventos que se combinam numa experiência inesperadamente completa.
Remeto também a Scott Pilgrim vs. The World que dentro do mesmo género e com semelhanças claras promete algo que acredito ser mais leve mas igualmente divertido, e se já estava entusiasmado com este último, agora que está comprovado o poder do género estou ainda mais.

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