10/07/10

Singularity - Review



Eis um bicho estranho.
O apelo de Singularity está na possibilidade de controlar o tempo, não da maneira convencional na ficção, mas sim concentrando a manipulação em objectos e situações especificas. Um acesso degradado pelo tempo pode ser renovado, uma porta pode ser envelhecida e quebrada para abrir caminho, etc.


Agregado a este mecanismo vem todo o enredo de apoio, baseado num elemento químico descoberto pela Rússia comunista, o poder que este segura, o consequente "all-hell-breaking-loose" por negligência e, inevitável num shooter que se preze, experiências sem sucesso que transformam cientistas e outros seres vivos em aberrações monstruosas. Tudo numa ilha estranha ao protagonista, o mudo coitado, que mal la cai se vê a seguir ordens às cegas.
Parece comum o suficiente, posto assim, e na verdade não complica muito mais que isto. O enredo mais tarde amadurece bastante e converge numa variedade de finais satisfatória (surpreendentemente detalhados e lógicos, até) e existe material acessório para envolver o jogador interessado, como gravações audio e notas escritas (bastantes, diga-se) espalhados pelos laboratórios e outros percursos, tudo num setting apropriado e tão estranho quanto a Rússia Soviética possa ser.

Será a boa execução de cenário, premissa, desenvolvimento e conclusões, suficiente para segurar um título? Não por si só, mas como costumo prestar especial atenção a tais componentes, poderão ter feito Singularity marcar mais pontos do que devia.
Acontece que analisando o promissor e original (até certo ponto) controlo de tempo, o que se tem no fim de contas é um mecanismo curto em possibilidades efectivas. A modelação temporal é binária, velho-novo, e os puzzles destinados a resolver com os poderes da ferramenta pouco ou nada variam durante todo o jogo. Salvam-se as aplicações em combate, essas sim mais inventivas, como uma bolha localizada que pára o tempo dentro dela, a possibilidade de envelhecer soldados em vez de os eliminar por meios convencionais (a tiro, portanto), ou armas especiais desenvolvidas com o químico fulcral, "E99", que proporcionam uns ligeiros twists no agora obrigatório "bullet-time".


Existe também uma crise de identidade em Singularity. É um shooter, sem dúvida, mas à semelhança de Bioshock, existe um esforço em fazer passar a complexidade do enredo e envolver o jogador no mundo da coisa, com os silêncios e ruídos, banda sonora a cumprir a tensão mínima e o recorrente medo de poder vir a encontrar seja lá o que for na próxima esquina. Resulta, admito ter-me rendido e cair em alguns sustos baratos, mas tão rápido o jogo progride para arenas repletas de inimigos que é quase embaraçoso pensar que, antes, estive preocupado com a aparição de um deles apenas. Não condeno o mix, agrada-me bastante, mas era impecável que graduasse de uma maneira menos abrupta.

Por falar em Bioshock, outro problema é a transparência com que elementos de sucesso de outros títulos estão presentes. A habilidade na mão esquerda a par com a arma de fogo, o leveling system de ambas as ferramentas e o ambiente geral de Singularity são semelhantes ao então já referido título, as estações pontuais para compra de upgrades e o atalho para mostrar o caminho a seguir (apesar de raramente ou nunca preciso) remetem a Dead Space, o meio de mover objectos é a implementação da gravity-gun de Half Life 2, entre outros, o que mais uma vez não é condenável por si só, apenas a implementação superficial.

A nível técnico existem também manchas das quais é impossível desviar a atenção. Apesar de se basear na provada e aprovada Unreal Engine 3, é frequente entrar numa sala e ver texturas ainda a carregar, quando carregam, o abuso de bloom e o limiar brilhante de objectos de destaque são aspectos e decisões discutíveis, elementos decorativos aglomeram-se num modelo único (pilhas de livros caem como um bloco sólido e garrafas partidas não se separam dos cacos), e mais picuinhas mas também sinal de alguma coisa sobre a produção deste título, o uso de full-motion-video no que parecem ser as sequências mais exigentes, coisa que pensava já não se fazer.

Tudo aspectos que tornam impossível dizer que Singularity é um jogo bem acabado, mas em contra-partida as animações são sólidas, quer dos eventos programados, quer da reacção dos inimigos em tempo-real (ver a aberração em ricochete após levar um tiro próximo, ou o soldado em desequilíbrio, é satisfatório). A inteligência artificial não é a mais aprumada, mas haja o divertido desmembramento e o breve rastejar antes de perecer por completo, tudo quase-standards hoje em dia, mas dignos de destaque ainda assim. Apesar de se verem os mesmos telefones, máquinas de escrever e aparelhagem abstracta cientifica vezes e vezes sem conta, os cenários conseguem-se manter variados, de escritórios, por esgotos, a laboratórios, e a sacar alguns momentos para parar e observar, quando se abrem em panoramas alargados.


Singularity é, como já disse, um bicho estranho. Apesar de isto tudo e mais alguma coisa a somar um total aparentemente negativo, não pude deixar de ver o desfecho que escolhi com satisfação, não que tivesse pressa de ver a experiência terminada, mas porque vi um circulo completo que me entreteve, a fechar.
Não é repetitivo, mexe ligeiramente com a emoção (medo, não é um título particularmente dramático) e cabeça do jogador, a fazer cocegas com toda a brincadeira de alterar o passado e uma derradeira decisão moral. O tiroteio não impõe um desafio acrescidamente difícil mas diverte enquanto se conhece uma variedade moderada de inimigos, e vai implementando puzzles, confrontos grandiosos e sequências programadas interactivas antes de levar à exaustão cada set-piece. É um título que sai curto em muitos aspectos, mas a ansiedade de ver o desfecho e um compasso aceitável, equilibram o que é um total, na minha opinião, positivo.

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